sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



Há momentos fatais na vida de uma mulher que fazem com que ela deixe de acreditar no amor.
Um desses momentos é quando ela tenta em vão encontrar os pares das meias do seu amante e se debate com o eterno puzzle das meias desirmanadas. Trata-se de um mistério eterno e insondável: algo acontece dentro da máquina de lavar roupa que faz com que os pares certos não mais voltem a repousar juntos e em paz na gaveta da roupa interior. É como se, depois de terem entrado dentro do tambor rotativo, resultado de um feitiço da fada das meias, os pares se perdessem para sempre, para não mais se voltarem a encontrar.
As meias dos homens são uma dor de cabeça para as mulheres. Primeiro porque são muitas, depois porque são em geral muito escuras e finalmente porque são todas mais ou menos iguais. Porém, isso acontece antes de entrarem na máquina, ou seja, antes do feitiço mau da fada invejosa cair sobre a harmonia do lar. No fim da lavagem, não são, não podem ser as mesmas meias que entraram no programa económico de trinta minutos antes; são outras, mais escuras ou mais claras, mais encolhidas, tresmalhadas, perdidas para sempre do seu saudoso par.
O que espera estas meias avulsas e inúteis? Uma vida de solidão, de abandono e de espera, o purgatório das meias, que é o tabuleiro da roupa por passar a ferro. O tabuleiro da roupa é uma boa metáfora para o tabuleiro da vida; o par certo tarda em aparecer, desiste, perde-se pelo caminho, fica esquecido no fundo da máquina, ou então é involuntariamente dobrado e metido dentro da gaveta com outra meia que pertence a outro par.
Viver num tabuleiro é aborrecido. É como viver numa sala de embarque de um aeroporto: o voo vai-se atrasando, os adultos vão ficando cada vez mais impacientes e as crianças vão chorando cada vez mais e mais alto, e no entanto nada mais há fazer senão esperar.
Espera-se e desespera-se. Espera-se um milagre sem acreditar em Deus. Espera-se que mudem os ventos quando não corre uma aragem. A única coisa que se mantém é a esperança, a mesma que não saiu da caixa de Pandora, mas que os humanos de alguma forma conseguem armazenar, a par com as meias sem par.
A solução mais frequente passa muitas vezes por uma atitude conformista – perante a incapacidade de encontrar o par certo, a escolha é feita pela razão. Ou seja, escolhemos o que pensamos que melhor nos convém, relegando para segundo plano a paixão intensa, as borboletas no estômago, os momentos inesquecíveis feitos de beijos cinéfilos ao luar banhados de luz, graça e prazer. Arrumamos tudo na gaveta dos bons velhos tempos e entregamo-nos a uma segunda escolha. Vale a pena?
Geralmente não, porque ficamos sempre a perder. Felizmente o Cupido é mais forte e mais poderoso a lançar feitiços do que a fada das meias. Quando menos esperamos, a seta do malandro acerta no alvo e saltamos do tabuleiro para viver de novo a ilusão do par certo. Se esta resiste ou não à vertigem do tambor rotativo, isso já é para outra crónica.



Margarida Rebelo Pinto in " Onde reside o Amor",pág. 75

1 comentário:

Anónimo disse...

Tudo isto penso, sem nunca te dizer nos mails, em vez disso mostro-me interessado na tua viagem, nas aventuras que vais vivendo, nos sitios por onde já passaste. E nunca te pergunto quando voltas. Sei que, quando decidires será por ti e apenas por ti. Agora percebo o que querias dizer naquele almoço, quando falavas de generosidade e de amizade. Esqueceste-te de dizer individualismo. há procura da tua alma do outro lado do mundo, e eu tenho-a aqui adormecida nas mãos e não sei o que fazer dela, porque a tua alma se fundiu, em tempos com a minha e não consigo olhar para dentro do  meu coração  sem te ver lá, mesmo que tenhas escolhido outro caminho.
Os destinos vivem-se como uma outra vida e eu tento todos os dias - acredita, porque é mesmo verdade - olhar para os dias e enchê-los sem ti. Mas em vez disso, comtemplo-os como se não fosse eu a vivê-los, enquanto treino em surdina um verbo novo, que quer queira quer não, vou ter que aprender a conjugar em todos os tempos e modos. o mesmo verbo que me deu força quando a minha mãe morreu : o verbo aceitar. Aceitar que já me amaste, que nada é eterno e tudo muda, que a vida é feita de momentos, que devia estar-te grato por todo o amor que me deste, pela tua frontalidade e sinceridade. Aceitar que o meu amor por ti não te  podia roubar a juventude, aceitar a perda e a ausência daqueles que amo. Amar alguém é deixa-la partir, olhar o céu e ver na dança da lua um momento qualquer em que talvez voltes, sem nada pedir nem nunca esperar...