segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Amei-te.



Amei-te e por te amar só a ti eu não via...
Eras o céu e o mar, eras a noite e o dia...
Só quando te perdi é que eu te conheci...

Quando te tinha diante do meu olhar submerso
Não eras minha amante... Eras o Universo...
Agora que te não tenho, és só do teu tamanho.

Estavas-me longe na alma, por isso eu não te via...
Presença em mim tão calma, que eu não a sentia.
Só quando meu ser te perdeu vi que não eras eu.

Hoje eu busco-te e choro por te poder achar
Não sequer te namoro, como te tive a amar...
Nem foste um sonho meu... porque te choro eu?

E hoje pergunto em mim quem foi que amei, beijei
Com quem perdi o fim aos sonhos que sonhei...
Procuro-te e nem vejo o meu próprio desejo...

Que foi real em nós? Que houve em nós de sonho?
De que Nós fomos de que voz o duplo eco risonho
Que unidade tivemos? O que foi que perdemos?

Amamo-nos deveras? Amamo-nos ainda?
Se penso vejo que eras a mesma que és...
E finda tudo o que foi o amor; assim quase sem dor.

Sem dor... Um pasmo vago de ter havido amar...
Quase que me embriago de mal poder pensar...
O que mudou e onde? O que é que em nós se esconde?

Talvez sintas como eu e não saibas senti-lo...
Ser, é ser nosso véu, amar é encobri-lo,
Hoje que te deixei é que sei que te amei...

Que importa? Se o que foi entre nós foi amor,
Se por te amar me dói já não te amar, e a dor
Tem um íntimo sentido, nada será perdido...





Fernando Pessoa

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