sábado, 2 de outubro de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

sábado, 23 de janeiro de 2010



Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.




Mário Quintana in "A Rua dos Cataventos"

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Wonder...






...

(...) Deixa tudo que eu não disse mas você sabia. Deixa o que você calou e eu tanto precisava. Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia. Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava.




"Se Puder Sem Medo" de Oswaldo Montenegro

domingo, 27 de dezembro de 2009

sábado, 26 de dezembro de 2009


Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a manhã da minha noite. É verdade que te podia dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou, até sermos um apenas no amor que nos une, contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor; ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo esse que mal corria quando por ele passamos, subindo a margem em que descobri o sentido de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor, de chegar antes de ti para te ver chegar, com a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu: a primavera luminosa da minha expectativa, a mais certa certeza de que gosto de ti, como gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.









Nuno Júdice, in - Pedro, Lembrando Inês

Canção Grata.




Por tudo o que me deste

inquietação cuidado

um pouco de ternura

é certo mas tão pouca

Noites de insónia

Pelas ruas como louca

Obrigada, obrigada

Por aquela tão doce

e tão breve ilusão

Embora nunca mais

Depois de que a vi desfeita

Eu volte a ser quem fui

Sem ironia aceita

A minha gratidão

Que bem que me faz agora

o mal que me fizeste

Mais forte e mais serena

E livre e descuidada

Sem ironia amor obrigada

Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce

e tão breve ilusão

Embora nunca mais

Depois de que a vi desfeita

Eu volte a ser quem fui

Sem ironia aceita

A minha gratidão!







Florbela Espanca

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009


- E aquilo o que é?

- Um sonho. Um sonho mecânico. Deixei-o aí para me lembrar que também aos sonhos os devora a ferrugem. A ferrugem nunca dorme.






in " As Mulheres do Meu Pai", José Eduardo Agualusa

domingo, 13 de dezembro de 2009


(...) Falámos demasiado para que eu esqueça do que falámos, vivemos demasiadas vidas para que eu as possa separar. Para que eu me possa separar de ti. A memória tende a desfibrar-se, víscera velha, nesta condição a que chamei apenas imaterial para não te assustar. Vejo tudo, continuamente. O espectáculo da vida interfere com a minha deambulação ao passado. (...) Qualquer dia olho para ti e já não sei quem fomos - encontros, desencontros, iras, ressentimentos, tudo se transforma numa massa fosca, pesada, que tento abandonar a pouco e pouco. (...) Começo a ver-te fora do tempo, esforço-me muito para recapitular o que me traz aqui, (...) O estado em que me encontro é angustiante: como se vivesse em sonolência diante de um filme que já não posso recriar, vendo tudo: o passado e o futuro - que afinal são um só - e aprendendo demasiado tarde o que não fui capaz de ver. (...)







in "Fazes-me Falta", Inês Pedrosa

terça-feira, 14 de julho de 2009



Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?








Cecília Meireles

segunda-feira, 8 de junho de 2009



CHATEIA - ME, esta minha incapacidade para te resistir, esta minha passividade perante a tua vontade que me deixa, fragilmente, à mercê dos teus desejos e apetites.
IRRITAM -ME, as horas que passo à tua espera, nos dia em que, simplesmente, decides excluir-me da tua vida, em pensamento e em facto, enquanto eu, ao invés, gasto a minha, a fantasiar como seria se estivéssemos, ou quando estivemos, juntos.
ASSUSTA-ME, esse teu alheamento, esse teu esquecimento, essa tua disciplina de, tão facilmente, me banires do teu pensamento, do teu dia-a-dia.
MAGOA -ME, a injustiça de me teres arrastado (à força da tua persistência e capricho) para o teu mundo, arrancando-me do meu, tirando-me do meu (parco) equilíbrio, prometendo-me mundos e fundos, acenando-me com a felicidade, para depois te fartares, qual criança mimada que enjoa as guloseimas que, voluntariosamente, tanto desejou.
DÓI -ME, a tua indiferença face à minha dor, quando a medo e em desespero ta confesso, e a ignoras ou subestimas, ao contrário de mim que te velo a tua, que a expio e a sofro, como se de minha se tratasse.
EXASPERA - ME, esta tua disponibilidade e responsabilidade para com o trabalho e os outros, aqueles que, ao pé de mim, nada te querem, cujo o amor que te têm, comparado com o meu, é ínfimo, cuja dedicação que te concedem, à beira da minha, é nula.
ENOJA - ME, esta minha disponibilidade, esta minha fraqueza, esta minha quase doença, que ao estalar dos teus dedos me faz, qual discípulo hipnotizado, seguir-te para onde quer que (me) queiras ou vás.
AGONIA - ME, deprime-me, mata-me, enfim, esta minha dedicação, este meu amor por ti.
E CHOCA - ME, mais do que tudo, perceber ser isso, seres tu, Meu amor - sejas, lá, tu quem fores - o que me move, o que verdadeiramente (me) interessa, o que, afinal, dá sentido à minha vida.









Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.
Tardou. Antes, de inútil, acabasse.
Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E a sua própria essência conseguido.
Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.








Fernando Pessoa

domingo, 7 de junho de 2009


Há coisas que a gente não nota porque são muito pequenas para serem vistas. Mas há outras que a gente não vê porque são imensas.








Robert Pirsig, in "Zen e a arte da manutenção de motocicletas: uma investigação sobre valores."

Lips Of An Angel...






...

sexta-feira, 5 de junho de 2009



Queria dizer-te da importância de certos gestos nossos para a conservação da natureza, como a obediência dos teus pêlos aos avanços da minha língua quando esta te varre a pele, alisando-a contra o sentido do vento. Queria dizer-te que são fundamentais, para o equilíbrio do universo, para o alinhamento dos chakras e para o perfeito feng shui das divisões de todas as casas, os teus mergulhos por entre as minhas pernas e o tempo em apneia que por lá demoras, o suficiente para que a paz no mundo e a harmonia entre os povos não sejam meras utopias. Queria dizer-te que é quando me sulcas por dentro com movimentos desencontrados e espavoridos como o bater das asas de uma borboleta, que o caos se organiza e que factos importantes acontecem no lado oposto do mundo; que do entrelaço das minhas pernas nas tuas depende a preservação das espécies e que a sincronia das nossas respirações anelantes diminui sensivelmente o buraco do ozono e todos os malefícios conexos. Queria dizer-te que é absolutamente indispensável para o fim da fome e das guerras, que me dobres e me vires, que me avesses e me endireites e me faças gritar o teu nome; e que quanto mais vingar a distância que existe entre nós, maior o degelo nos glaciares e o perigo de extinção dos ursos, por ali à deriva sem poiso. Queria dizer-te da extrema necessidade de os dois sermos às vezes um só, pois da fusão nuclear que resulta da fricção do Amor dependem avanços energéticos em prol da sustentabilidade do planeta. E que o facto de me exigires e de me quereres de certas maneiras, conduz à reflorestação de zonas áridas e à protecção de zonas húmidas e do respectivo habitat, o que faz com que o mundo respire melhor, devidamente oxigenado.










quarta-feira, 27 de maio de 2009


(...)
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...






Fernando Pessoa

terça-feira, 26 de maio de 2009




Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
És a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.






David Mourão-Ferreira



No fundo só és livre se segurares na tua mais pequena partícula e a colocares no bolso, com facilidade. Como ninguém o consegue somos sacos; e não quem carrega os sacos.
Se o amor fosse forte, à frente da bala faria da bala uma inútil máquina em miniatura. Mas é a bala que faz do amor um inútil sentimento em miniatura. Se duvidas, experimenta.







Gonçalo M. Tavares, in "Biblioteca"

sábado, 23 de maio de 2009



Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco







Mário Cesariny