domingo, 13 de dezembro de 2009


(...) Falámos demasiado para que eu esqueça do que falámos, vivemos demasiadas vidas para que eu as possa separar. Para que eu me possa separar de ti. A memória tende a desfibrar-se, víscera velha, nesta condição a que chamei apenas imaterial para não te assustar. Vejo tudo, continuamente. O espectáculo da vida interfere com a minha deambulação ao passado. (...) Qualquer dia olho para ti e já não sei quem fomos - encontros, desencontros, iras, ressentimentos, tudo se transforma numa massa fosca, pesada, que tento abandonar a pouco e pouco. (...) Começo a ver-te fora do tempo, esforço-me muito para recapitular o que me traz aqui, (...) O estado em que me encontro é angustiante: como se vivesse em sonolência diante de um filme que já não posso recriar, vendo tudo: o passado e o futuro - que afinal são um só - e aprendendo demasiado tarde o que não fui capaz de ver. (...)







in "Fazes-me Falta", Inês Pedrosa