sexta-feira, 27 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
Súplica
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
segunda-feira, 23 de março de 2009
A problemática de prevaricar reveste-se de diversos aspectos espinhosos que se complementam entre si. Em primeiro lugar, o acto de ‘pular a cerca’ implica mentira, omissão e pode ser considerado com toda a legitimidade uma traição. Em segundo lugar – e é aqui que tudo se complica –, uma vez praticado, o acto despe-se de pudor e a repetição instala-se. É como uma travessa de amêijoas: quando chega à mesa, nunca conseguimos comer só uma. São tão saborosas, ali mergulhadas no molho, indefesas e abertas, à espera de serem devoradas… É irresistível molhar o pão uma, e outra e ainda outra vez, iludindo-nos sempre com a ideia de que é a última até não sobrar uma gota de molho. E depois?
E depois instala-se o caos. A dúvida. Os pesadelos. A confusão mental. O medo. O arrependimento. O remorso. A vontade de redenção. O desejo enfraquecido de não voltar a enfiar o pé na argola, de nunca mais meter a pata na poça nem o dedo na ferida, até porque a ferida demora sempre tempo a fechar, mesmo que não doa. Quem vive na corda bamba sabe que viver assim não é fácil nem saudável. Pode ser um grande desafio, qual jogo de computadores em que o objectivo é chegar sempre ao próximo nível, mas em bom rigor o que acontece é que o nível vai descendo até ao prevaricador se sentir um traste, um lixo, uma porcaria.
Não existe nesta análise um pingo de moralismo, apenas uma visão pura e dura da realidade. Ainda que de peito cheio de orgulho ufano, não conheço nenhum bandido profissional daqueles com mulher em casa e esquemas por fora, ou solteirão inveterado sem capacidade de se fixar, que se sinta equilibrado ou viva feliz. A seguir a fases de grande euforia conquistadora, aquele que comete o erro de Bulhão Pato entra facilmente em estados de melancolia depressiva. Pior do que enganarmos os outros é enganarmo-nos a nós próprios – e não há nada que faça uma pessoa sentir--se pior do que andar sempre a fingir ser aquilo que não é.
Apesar de o Pinóquio matar o Grilo Falante à martelada para não ter de lhe prestar contas, a voz da consciência acaba sempre por falar mais alto e, depois, é impossível silenciá-la.Uma traição não é apenas uma troca de fluidos arrebatados com uma terceira pessoa; é uma expressão inequívoca de desrespeito para quem está ao nosso lado. Resistir à tentação é um processo longo e complexo que se inicia muito antes de a travessa chegar à mesa. Há que desenvolver uma estratégia completa e cortar o mal pela raiz. Acreditar na máxima ‘longe da vista, longe do coração’ – a qual nem sempre resulta, mas vale a pena tentar – e não telefonar, não enviar mensagens, não marcar encontros, a todo o custo não ver a amêijoa. Por melhor que ela seja, é um prato que pode sair caro, com risco de envenenamento, para o qual ainda não foi inventado nenhum antídoto eficaz.
sábado, 21 de março de 2009
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.
Alberto Caeiro
quinta-feira, 19 de março de 2009
Amo o pensador orgânico porque só para ele as verdades emanam mais de um suplício interior que de uma especulação gratuita. Ao homem que pensa pelo prazer de pensar contrapõe-se o homem que pensa sob o efeito de um desequilibrio vital. Amo o pensamento que guarda um gosto de carne e sangue, e a uma abstração vazia prefiro mil vezes uma reflexão surgida de uma exaltação dos sentidos ou de uma depressão nervosa. Os homens ainda não compreenderam que o tempo das preocupações superficiais é passado, e que um uivo de desespero é mais revelador que o mais subtil dos argumentos e que uma lágrima tem sempre origens mais profundas que um sorriso.
quarta-feira, 18 de março de 2009
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
sexta-feira, 13 de março de 2009
O Mister Right
Encontrar a pessoa certa dá um trabalhão. O Mister Right ou a Miss Perfection são mitos insondáveis, produtos híbridos e ambivalentes, frutos da nossa imaginação misturada com as nossas ambições, os nossos medos, o nosso passado, o património genético que herdámos e os padrões que se foram colando à nossa pele. E como se isso não bastasse, o ideal da Pessoa Certa vai sofrendo alterações ao longo da vida. O que nos parece perfeito ao 18 anos nunca é o que o que desejamos aos 28, muito menos aos 38.
Não acredito que a pessoa certa exista. Nem a metáfora das laranjas, por mais bela e poética que seja, me convence de que existe uma alma gémea. Acredito que existe a Relação Certa, aquela relação com uma pessoa que nos faz sentir felizes, protegidos e completos, quer para um lado, quer para o outro. Acredito em relações complementares entre pessoas de idades diferentes e vivências diferenciadas. Acredito no entendimento entre pessoas de países distintos entre idiomas variados desde que exista uma base cultural próxima. Acredito em relações em que mulheres muito belas escolhem homens apagados por verem neles mais do que o aspecto físico. Acredito em relações de homens mais velhos com mulheres mais novas e em relações de homens novos com mulheres mais velhas. Acredito que pode existir perfeição num entendimento homossexual. Não acredito em relações em que os homens tratam as mulheres como sua propriedade ou quando as mulheres usam os parceiros sem qualquer respeito por eles.
E o que fazer quando se encontra a Relação Certa? É aqui que entra o trabalho de manutenção: depois de encontrar o Mister Right, é preciso verificar com frequência se ele está mesmo alright ou se pós maléficos se vão infiltrando na engrenagem. Às vezes somos nós que nos fartamos da outra pessoa. Começamos a embirrar com a forma de andar, com o ruído que faz a sorver o café ou com o tique de piscar os olhos demasiadas vezes por minuto. Outras vezes é o nosso parceiro que se desinteressa de nós, ou da vida que tem connosco. A rotina é um pau de muitos bicos; pode trazer estabilidade ou parar as águas para sempre. Há quem não viva sem rotina, há quem sufoque com esta. E há quem tenha pela rotina sentimentos contraditórios: precisa dela, mas detesta-a.
Dá trabalho encontrar a Pessoa Certa porque ela não é um ideal imaginado mas uma realidade construída. A Pessoa Certa só vence se trouxer consigo a Relação Certa. E as relações constroem-se todos os dias com bom senso, generosidade, imaginação, entrega e amor. Não há receitas nem na literatura nem no divã do psiquiatra, truques de bruxaria, ou soluções na última página do suplemento. O entendimento é um processo alquímico, nem tudo do que este é feito depende da nossa vontade. Mas para lá de tudo isto reside uma verdade que bate qualquer argumento: a Pessoa Certa para nós só o pode ser se, ao olhar para nós, vir a Pessoa Certa para ela.
Margarida Rebelo Pinto,in "Onde reside o amor",pag87/88
quarta-feira, 11 de março de 2009
Dialogo de vultos
- Onde estamos?
- Estamos mortos.
E sem prestar a mais leve atenção
entregamo-nos.
Como quem surge da bruma, sem alguma inquietude
descarregamos o fardo das intempéries nos tordos recantos.
Foi o amanhecer de Primavera manhã.
Alisamos o cansaço da pele
de chuvas e ventos.
Sentamo-nos lado a lado,
e foi viver os aromas da estadia.
Dêmo-nos ao coração singelo
Incendiamos melodias já esquecidas
da água e do fogo.
Encorajamo-nos a preservar,
a não sofrer amarga morte.
Diante dos nossos olhos
estenderam-se caminhos, que conduziam à vida
abraçamo-nos.
Um ao outro num abraço demorado
poderosa luz infundiu nos nossos lábios.
Com olhos d' água e fogo d'alma
caminhamos até ao horizonte
Pedimos uma última palavra:
- Com que nome poderemos recordar-nos?
Quase sem voz
acenamos um adeus.
E, desde então nossa vida tem sido apenas
esperar por nós, sabendo-nos ressuscitados.
sexta-feira, 6 de março de 2009
I can't hate you anymore
...
And how could we quit something we never even tried,
Well you still can't tell me why.
We built it up,
To watch it fall.
Like we meant nothing at all.
...
quinta-feira, 5 de março de 2009
A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação. O que sinto, na verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é. Para que eu, pois, possa transmitir a outrem o que sinto, tenho que traduzir os meus sentimentos na linguagem dele, isto é, que dizer tais coisas como sendo as que eu sinto, que ele, lendo-as, sinta exactamente o que eu senti. E como este outrem é, por hipótese de arte, não esta ou aquela pessoa, mas í toda a gente, isto é, aquela pessoa que é comum a todas as pessoas, o que, afinal, tenho que fazer é converter os meus sentimentos num sentimento humano típico, ainda que pervertendo a verdadeira natureza daquilo que senti.
in "Livro do Desassossego", Bernardo Soares
quarta-feira, 4 de março de 2009
Não dormes comigo à noite quando eu me volto e torno a voltar na cama, buscando um sono que te apague de mim, que afaste as perguntas que então me devoram «Onde estará ele agora? Estará sozinho em casa, sofrendo por minha causa? Estará acompanhado, dando a outra mulher o que eu já não tenho dele? Como fará ele amor com outra mulher? Como o pode?» (…)Tentarás como eu substituir a paixão e o excesso pela ternura e pelo consentimento? Com essas a quem chamas amigas, farás amor como um amigo? (…) E quem dormirá ao teu lado de noite? (…) E que sabes tu do meu sono? Que imaginas tu das minhas noites? Saberás tu que as mais felizes são aquelas em que chego à cama e adormeço, sem sequer me lembrar de ti, nem querer, como na música de Simone “eu não me lembro, nem esqueço – adormeço”.
...
Não quero ver o teu olhar triste e magoado que me acusa, sem defesa, que me condena, sem entender. Tu não entendes, mas eu preciso da tua força para sobreviver. (…)
Preciso de voltar a ver esse teu olhar cansado ao fim do dia, os ombros ligeiramente curvados, as palavras vagarosas, os olhos pisados pela luz (…). Quero-te vivo e igual a ti, como sempre te vi e te amei, para sentir-te ao meu lado para sempre, por maior que seja a distância fisica que criámos, a indiferença que tu imaginas que tenho e nunca tive nem terei.
Sei que se me pudesses ouvir me chamarias egoísta e dirias que, como sempre, é só a minha vontade que conta. estou sempre a falar contigo, mas tu não me ouves. Eu, porém, oiço-te sem que tu fales e quando falas, adivinho o contrário do que me dizes. Vejo-te à deriva e perdido e não te posso ajudar, porque tenho de me ajudar a mim. Tu não entendes, eu sei. Vives um conflito entre a tua força vital - que eu não te roubei, nem poderia - e a tua vontade de te deixares afundar, de te fechares no escuro da tua casa (…).Tu e não eu, se encarregará de destruir tudo o que vivemos, de acordo com a lei do excesso que é a única que compreendes: tudo ou nada, verdade ou mentira, amor ou ódio.
...
Tu odiar-me-ás e eu nada poderei fazer, senão sofrer o teu ódio em silêncio, sofrê-lo na carne, como açoites, dilacerando o meu corpo que foi teu (…), como nunca foi de mais ninguém. Assim vou vivendo sem ti e sem procurar saber de ti. Mas sei de mim, sei do imenso vazio da tua falta, que nada preenche nem faz esquecer. (…)sei das horas sem sentido que deixamos para trás. E que interessa, afinal, saber se sou feliz, assim? Por que perguntas sempre isso(...)? Por que te satisfaz tão fraca desforra, como se a tua sobrevivência já só se pudesse alimentar da minha impossibilidade de ser feliz. E porque não és tu feliz, então? Tu que tens tudo para isso e que és livre, nada te prende e nada deves a ninguém senão a ti próprio? Por que permaneces amarrado a mim como o último marinheiro de um navio velho que nunca mais navegará e que, em lugar de embarcar noutro barco, noutro destino, permanece grudado na ponte de comando inútil, envelhecido com o seu barco, ressequido e amargo? Vive tu. Vive por nós. Não deixes que eu te destrua. Não me deixes mais esse peso. Naveguei até ao cais onde tenciono ficar e morrer, mas evitei o naufrágio em mar alto e não me deixarei afundar aqui, encostada à terra firme.
…
Remorsos, sim, é verdade, às vezes tenho remorsos. Vejo-me em sonhos como um pássaro negro, crepuscular, alimentando-se nas sombras, nos desperdícios, nos destroços, das vidas alheias. mas, afinal, o que se leva da vida, senão remorsos? Remorsos do que podia ter sido e não foi e do que se perdeu depois de ter sido. Remorsos do que devia ter sido dito e feito. Remorsos destes eternos desencontros, desta sensação de que nada existe no seu tempo certo, de chegar sempre tarde ou partir cedo demais. Por que será que a seguir à noite vem sempre a manhã e de manhã pesa sempre nos olhos e na alma o que se fez e desfez de noite - um corpo húmido deixado num lençol de seda e o ladrão furtivo desse corpo abandonando o quarto que não é seu, em direcção ao vazio de tudo o que lhe pertence, inutilmente?
…
Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.
Convertermo-nos em amantes da pessoa amada, com a desculpa de não desejarmos afastar-nos completamente é a pior das decisões. Não só impedimos a consumação do luto, como perpetuamos o sofrimento por tempo indeterminado. E se a relação era muito má ou pouco conveniente, pior ainda, porque desperdiçámos uma boa oportunidade de terminar de uma vez por todas com essa tortura.
terça-feira, 3 de março de 2009
Through Glass
"I'm looking at you through the glass
Don't know how much time has passed
Oh God it feels like forever
But no one ever tells you that forever feels like home
Sitting all alone inside your head…"
Mas a grande pergunta a fazer é, evidentemente:
Quando amamos alguém, ou melhor, nos apaixonamos por alguém, por que é que nos apaixonamos verdadeiramente?
É uma ideia da pessoa amada, ou é a pessoa propriamente?
Talvez só sejamos capazes de viver com as nossas ideias. Talvez sejam sempre as nossas ideias que amamos.